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Faculdade de Direito do Largo de São Francisco declara reitor “persona non grata”

Paulo Sérgio Leite Fernandes

Tenho filhas formadas na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Sou oriundo, colando grau na vetusta Faculdade Católica de Santos, a mesma que ensinou as primeiras letras jurídicas ao hoje presidente do Supremo Tribunal Federal Antonio Cezar Peluso. O fato de ter acompanhado com muita atenção e carinho o pós-graduação das meninas, hoje respeitabilíssimas penalistas autoras de doutrina escrita, assessorando também Ana Maria, quase trinta anos atrás, em pós-graduação sob a orientação de Manoel Pedro Pimentel, Sérgio Marques de Moraes Pitombo e Ricardo Antunes Andreucci, entre outros, me levou a muito perto das arcadas. Embora formado em Santos, conheço tudo da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, não só a história minuciosamente explicada por Armando Marcondes Machado mas aqueles secretos documentos, por poucos desvendados, que dizem terem estado sob o primitivo túmulo de Júlio Frank, plantado num pátios do velho edifício. Minha ligação com aquele obelisco começou lá atrás, quando Erasmo Dias, já morto (não se critica quem morreu), invadiu a Faculdade de Direito com a soldadesca formando um corredor polonês. O então major determinava a saída de professores, alunos e funcionários. Sentia-se o odor de bombas de gás lacrimogêneo. Eu estava encostado às grades que protegiam o pequeno monumento. A estreita ligação minha, adiante, no processo de restauração da democracia no país, sedimentou a lembrança daquela manhã ruim. Entrecruzei-me, no futuro, a Manoel Pedro, sendo talvez o último advogado a vê-lo vivo e becado, porque aquele excelente tribuno morreu à noite, depois de uma sustentação oral no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em que ele e eu, em sequência, fomos derrotados. Recordo-me bem: Manoel Pedro Pimentel, rosto avermelhado, se indignara com o resultado.

Mais além, convivi com Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, que levava pelas mãos, ao tempo, a criança Antonio Sérgio, hoje competentíssimo advogado criminal atuando em São Paulo e no Brasil inteiro. Uso a beca pertencente a Mozart Andreucci, pai de Ricardo Antunes Andreucci. Já se percebe que o solo e a mística da Faculdade de Direito estão profundamente entranhados na minha alma. Tenho, aliás, umas fotos raríssimas de subterrâneo onde se localizavam túmulos dos frades enterrados sob o mosteiro, uma confusão danada quando o metrô foi construído, passando ali perto. Embora não dominando a plenitude dos mistérios das Arcadas, sei mais do que muitos, sendo uma espécie de “adotado” no enlace entre o passado e o presente. Dentro do contexto, fiquei triste quando a biblioteca tão antiga, cuja poeira se fundia nas narinas quando eu fazia pesquisas para a pós-graduação de Ana Maria, saiu dali e foi posta em outras plagas, perdendo-se a mística que envolve, obrigatoriamente, os antigos depósitos de obras raras (v. “O nome da rosa”). Há presentemente, dizem-no os jornais, conflito aberto entre a direção da Faculdade de Direito, os moços do “11 de Agosto” e o reitor da Universidade de São Paulo, João Grandino Rodas, ligando-se a discórdia a criticada administração enquanto o último era diretor da Faculdade de Direito. À frente da defesa da Faculdade está o Antonio Magalhães Gomes Filho, que mal conheço mas por quem tenho profundo respeito em razão de debates que tivemos, nem sempre do mesmo lado, diga-se de passagem, embora provocando reflexão profunda nos dois lados. Bastar-me-ia, para estar junto a eles, o retorno da livrarada ao lugar de origem. Relembro, quanto aos livros, “O Processo”, de Kafka, transformado depois em filme, vendo-se o advogado (Orson Welles), soterrado por dezenas de alfarrábios caídos das estantes. Juristas são assim. Amarram-se nas pessoas e nas “sebentas” ou nas gastas lombadas de preciosas fixações escritas daquilo que já foi. A desavença, entretanto, vai mais longe. A posição tomada pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco é, quase, uma declaração de independência, à maneira da Revolução de 1932 (v. M.M.D.C). No fim de tudo, se e quando necessário, parta-se para a libertação unilateral. As questões jurídicas se resolvem depois.

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