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Lesão corporal dolosa no esporte

* Paulo Sérgio Leite Fernandes
**Gustavo Bayer
Lesão corporal dolosa no esporte***

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         Tenho acompanhado com certa assiduidade jogos de futebol, desde que sejam do Santos Futebol Clube. A explicação é simples: amassei areia da praia dos oito aos trinta e poucos anos de idade. Vi Pelé, ainda menino, despontando para tornar-se, mais tarde, o atleta do século. Conheci Pepe, Mengalvio, Jair Rosa Pinto, Coutinho e outros. Embora não morando perto da “Vila Belmiro”, os caminhos eram muito rápidos, fazendo-se a maior parte dos trajetos de bicicleta, circunstancia, aliás, a me manter razoavelmente rígido aos 77 anos, pois pedalava da balsa até Bertioga. Vejo umas pequenas bicicletas, parecendo importadas, fugindoem São Pauloà sombra da morte. Fui dos primeiros moleques, em Santos, a ter uma delas com catraca. Mandei fazer. Tive e tenho uma barca, a mesma que me deixou, aos 17 anos, dez ou doze horas vagando perto da linha do horizonte, vela esgarçada, aguardando socorro chegando, na madrugada, por um pesqueiro providencial. Passei 3 ou 4 dias purgando um luto, em desespero, num barco camaroneiro que foi de Santos a Santa Catarina, dividindo os catres com outros marinheiros e almoçando peixe frito pescado na hora e desventrado a vista de todos, um cheiro gostoso de azeite, arroz e farofa. Na ida ao Sul, o desespero trazia estrofes do “É doce morrer no mar”, de Caymmi, que também conheci. Deu-me autógrafo num guardanapo de linho que ainda traz, num canto, a marca esvanecida de um batom muito vermelho. Guardo das praias de Santos amigos e amiga a envelhecerem comigo. Daí já se vê que devo gostar do futebol santista e do herdeiro Neymar. Assisti a uma entrevista dele na televisão. Há rememorações do passado, ele menino de 11 anos jogando no time-base, depois crescendo e virando, quiçá, o garoto propagando do Brasil. Dizem que Neymar é “cai-cai”. Prestei muita atenção ao que ele faz. Caçam-no dolosamente, queridamente, numa mistura de raiva e agressividade tendentes a paralisá-lo, pois o menino é realmente endiabrado. Entretanto, não é fácil pegá-lo, pois antecipa o movimento daqueles que pretendem feri-lo, saltando na horizontal, se necessário for, preservando canelas, pernas e meniscos. É isso que ele faz, com muita razão aliás, porque os adversários se transformam em animais predadores.

         Quando mocinho, em Santos, cheguei a jogar futebol. Sou canhoto de pé e destro nas mãos, significando que meu lobo temporal direito vive um bailado tenebroso entre as duas extremidades. Certa vez, no Colégio Marista, fui escalado para jogo decisivo. Um campo de futebol repleto, havia torcidas amigas e inimigas, aquelas menininhas loiras, rosadas e de olhos azuis que faziam e fazem, ainda hoje, o povoamento dos sonhos de muito adolescente, não aquelas magrelas de pé grande vigiadas pelas mães para que não virem esqueléticas. Vai daí, sobrou-me uma bola muito jeitosa, eu, ela e o goleiro. Uma espécie de “banheira”, daquelas que o Romário sabia aproveitar muito bem, e sem impedimento. Chutei o ar. O time do colégio perdeu. Já fui vaiado outras vezes, até durante debates, mas nunca assemelhadamente àquela. Tirei as chuteiras. Eram pesadas e tinham bico de ferro. A bola, durante a chuva, chegava a pesar cinco quilos. Nunca mais joguei futebol.

         Isto serve para valorizar mais ainda o menino Neymar e o outro, o Ganso, que vai dar muito o que falar, cuidando-se, aliás, de um grande alimentador das matreirices do astro-mirim.

         Vale a pena, ao fim, manifestar publicamente o temor de que estejam, verdadeiramente, dedicados a quebrar o moleque. Não o conseguindo, chamam-no de “cai-cai”. Não é bem assim. O garotão se desvia como se fosse um bagre. Protege o corpo e as pernas. E faz muito bem.

* Advogado criminalista em São Paulo há cinquenta e dois anos.

** Áudio e vídeo

*** O texto é de única e absoluta responsabilidade do autor Paulo Sérgio Leite Fernandes. O intérprete Gustavo Bayer é apenas o ator.

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