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Quando Pompeia tinha um bordel

Paulo Sérgio Leite Fernandes 

Em visita à Itália – todo burguês brasileiro vai lá – passa-se, quase obrigatoriamente, por Pompeia, cujas ruínas foram recuperadas das cinzas deixadas pela ebulição do Vesúvio. O ser humano é catastroficamente sadomasoquista. Sabe que aquele diabólico forno apenas está dormindo, dando sinais, de vez em quando, da repetição de façanha que matou, nos idos de 79 d.C., boa parte dos habitantes da cidade, salvando-se aquela que escolheu ponto de saída diferente. Pelo sim, pelo não, os turistas vão lá. O cronista, inclusive, trouxe pequeno pedaço de granito recuperado de uma parede meio inclinada. Precisa devolvê-lo, pois não lembra coisa boa.

Há em Pompeia umas ruelas esquisitas e nichos escuros salvos das sombras. Um deles, segundo o guia mais ou menos instruído, era um prostíbulo (casa di tolleranza ou bordello). Falava-se o latim àquela altura (lupanar). Dentro do contexto, os pompeienses (ou pompeianos?) iam eventualmente ao lupanar, sabendo-se que as mulheres, naquela época, não tinham grande respeitabilidade. Era, aliás, o tempo do auge da hegemonia romana.

O introito serve à demonstração meio romântica de que o meretrício, mais ou menos organizado, já existia muito tempo antes de Cristo e depois dele. Não há quem consiga erradicá-lo. Não constitui crime e apenas infelicita a grande maioria das praticantes. É preciso, entretanto, deixar de lado comportamento hipócrita e enfrentar o tema que, se espinhoso for, não é menos emergente. Há, no meio disso, mulheres corajosíssimas, buscando, além da liderança na classe – e classe é – uma forma legítima de enfrentamento do problema. Vale lembrar, ainda na Itália, uma prostituta assumida, confessa, bonita, alegre e decidida, “Cicciolina”, eleita para o parlamento e lá pontificando, não se sabendo se mantém, hoje, a nobilitação.

A mulher brasileira cujo prenome é Nice não pretende anonimato. Deu entrevista ao jornal “O Estado de São Paulo”, mostrando-se preocupadíssima com a particularidade correspondente às doenças sexualmente transmissíveis. Em outros termos, a cada dez mulheres contagiadas, nove seriam praticantes do sexo pago.

Na entrevista, aquela senhora – e senhora é, pois tem cinquenta anos –,  afirma ter sido rejeitada pelo Ministério da Saúde. Se verdade for, é preciso dar um jeito na coisa, pois o Governo, por meio de seus múltiplos órgãos, tem boas relações com diversos setores informais da cidadania, sem desdouro algum, aliás. A moça merece audiência. Exerce uma profissão. Havia antigamente, nas pequenas, médias e grandes cidades, as chamadas zonas do meretrício, fiscalizadas razoavelmente pelas secretarias da saúde. Hoje em dia, alguém ou alguns membros da comunidade sanitária devem poder dizer sobre o assunto, não constituindo a pesquisa tarefa desonrosa. Basta lembrar que Dráuzio Varella penetrou com suas seringas nos segredos do Carandiru, escrevendo depois livro a virar best seller. O Ministério da Justiça, embora infernizado com a questão dos índios, poderia formar comissão adequada à aferição da grandiosidade do problema, começando por ouvir a senhora Nice. Na verdade, a medida das preocupações subjacentes é muito maior do que aquela atinente ao Coronel Ustra. Aquele homem depôs sobre crimes que cometeu. Nice deve ter informações preciosas sobre o risco exibido pelo descontrolado comércio sexual. Ustra é delinquente. Aquela senhora não é bandida. Bem-vinda seria uma Comissão da Verdade destinada à formalização de medidas aptas ao saneamento da cama dos brasileiros. Nenhuma originalidade haveria nisso porque Pompeia, antes de ruir sob as chamas do vulcão, também tinha seus pecados.

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