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Catão, o censor, também tinha perebas? (Che arrivano i paparazzi)

Paulo Sérgio Leite Fernandes

         Quando se escreve usando personagens pouco lembrados, é preciso procurar na enciclopédia, preferindo-se uma confiável porque a “wikipedia”, muito embora universal, pode conter bobagens. Catão não era só um. Havia dois, o avô e o neto, ambos muitíssimos severos, sabendo-se, entretanto, que o destino de um e de outro não foi bom. Escrevi mais ou menos isso numa crônica respeitante a juiz que mandou peça de um advogado à OAB para verificação de inépcia profissional. Eu identificara, na ação à qual o magistrado se referia, cinquenta e poucos erros dele próprio, inclusive no uso da crase. Augusto de Campos disse, certa vez, que a crase não envergonha ninguém. Envergonha sim, quando o mau escriba quer censurar outro pela utilização inadequada do vernáculo. Pessoalmente, entendo que o juiz não pode ter pecados enquanto lida com jurisdicionados. Precisa ser um santo. Daí a dificuldade, porque todos nós, pensando bem, temos perebas. Só a bailarina que não tem. Vai daí, vem a indagação básica: como a criatura seria impecável se nem mesmo o bandido, prestador de homenagens ao demo, consegue ser mau o tempo inteiro? Sempre repito a história do duelo entre Alan Ladd e um facínora, os dois encostados em um balcão de um saloon do faroeste. Os dois sacaram as armas e atiraram um no outro. Nenhum dos dois se feriu. Esquisito aquilo, pois o mocinho nunca errava. De repente, para espanto de todos, as calças do bandido caíram. Alan Ladd lhe cortara o suspensório a tiro. O bandido usava calcinha de seda vermelha e meias de renda.

Havia um Desembargador, nos meus tempos de mocidade, chamado Humberto José da Nova. Viajava de ônibus de Santos a São Paulo todos os dias, processo debaixo dos braços. Não usava carro do Tribunal. Morava numa casinha geminada. Acordava às 07 horas, dormia às 21 horas. Não fumava, não bebia, não jogava e não se dava às fêmeas. Era severo e justo. Este, assim, integrava a figura de um santo homem. Se vivo estivesse, seria dos pouquíssimos aos quais eu prestaria reverência.

Tocante ao Ministro Joaquim Barbosa, há comentários sobre ele ter ido assistir a jogo de futebol do Brasil, tomando assento no camarote do marido de Angélica, apresentadora de um programa de televisão. Além disso, a passagem de avião teria sido debitada à Suprema Corte. Não vejo nenhuma extravagância nisso. Os juízes do Supremo Tribunal Federal têm cotas adequadas a poderem viajar de avião, ou de navio, em viagens oficiais ou em emergências. Por outro lado, não se pode proibir um magistrado de ter vida social, de jogar golfe, tênis, futebol ou até de tocar mais ou menos uma guitarra num baile privado. Não se pode obrigar o pretor a se esconder dentro de casa. Outro dia, numas das raríssimas oportunidades em que fui nadar na piscina superlotada de um clube, precisei tomar uma chuveirada depois. Banheiro de homem é engraçado: todo mundo pelado mas ninguém se olha, passando um pelo outro muito contritamente. Cruzei com outro. O gajo olhou pra mim e disse: “– Doutor Paulo Sérgio, eu sou o Desembargador Fulano de Tal. Não me reconhece?”. A resposta veio da língua afiada do velho criminalista: “– Não, nunca vi você pelado”.

Voltando ao Ministro Joaquim Barbosa, é preciso dizer, primeiramente, que a culpa da irreverência é do próprio sistema enquanto impõe o fenômeno da transparência. Logo logo, se não houver cuidado, um Ministro do Supremo vai ser processado e julgado na esquina da casa dele, pois as prerrogativas vão para o brejo. Assim, este texto é, de certa forma, demonstrativo de preocupação muito grande à exposição pública dos comportamentos das pessoas gradas. Paciência! O hábito não foi criado por mim. Apenas acompanho. Dentro de tal contexto e respeitada a razoabilidade de uma ou outra conduta menos hermética, vá lá o Ministro torcer pelo Neymar, usando as dependências reservadas a Angélica no Maracanã. Melhor seria, no momento sociopolítico atravessado pelo Brasil, que ele se misturasse à torcida, lá embaixo, comendo pipoca e tomando uma cerveja. A repercussão seria melhor. Entretanto, as passagens de avião, o camarote e o os salgadinhos se põem dentro das paralelas da normalidade, porque ninguém é de ferro. Ou, no fim das contas, Catão, o censor, podia perfeitamente, ao seu tempo, ir ao coliseu ver os cristãos serem devorados pelos leões. Que mal havia nisso?

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